22 de outubro de 2009

PORTA RETRATO SEM FOTOGRAFIA

Texto publicado em maio de 2004

Comunicação! Internet! Coisa boa.

Era uma vez uma menina.
Ester. Dez aninhos.
Era uma vez também a mãe dela.
E era uma vez, o pai.
Então, era uma vez uma família.
Havia sido um lar como tantos outros; com bons momentos... com maus instantes.
A menina Ester, muito esperta, observava; muito sensível, sentia.
Ao contrário das amiguinhas, não era de falar.
Observava e sentia.
Sentia e calava.
Ao contrário das amiguinhas, não pedia nem implorava, humihando-se aos adultos, quando queria um sorvete, um doce, um brinquedo novo...
Observava, sentia; calava, não pedia.
Ao contrário das amiguinhas, não valorizava nada as roupas novas e os calçados.
Livrinhos, ela gostava.
Calava e li. Nisso saíra-se ao pai, que lia todos os livros; jornais... todos os jornais.
E escrevia livros importantes. Ester sabia que eram livros de gente grande.
Via o querido pai sempre ocupado, ausente...distante mesmo quando perto.
E entendia.
Observava. sentia; lia, calava; não pedia, compreendia.
Como a algumas de suas amiguinhas, aconteceram a ela, um dia, coisas estranhas... coisas ruins...
Ela ficou com a mãe.
O seu papai saiu, levando a importância toda de gente grande...todos os livros que já havia lido; todos os livros que já havia escrito.
A mãe da menina Ester, é bem verdade, falava bastante...e...ler, não lia. O porquê, Ester... não entendia.
A mãe não adivinhava...como só as mães sabem fazer... o que Éster não falava...
Muito só foi ficando. Cada vez mais só.
O Sábado.
Dia de ver o pai.
Neste sábado não vem.
Palestra na universidade.
Outro sábado.
Também não.
Viagem de avião.
Finalmente ele chega. Vão ao parque... ele no banco, ela no balanço. Pouco alegre está a menina; um tanto triste o pai.
Chega o final da tarde.
Ele quase nada disse a ela. Por outro lado, quase nada ele ouviu.
Isolamento cada vez maior.
Hora da despedida. Seria tão bom abraçá-lo, mas não o fez.
Queria um beijo... mas não pediu.
O pai queria abraçá-la, mas não o fez.
Queria um beijo dela, mas não pediu. Entre os dois beijos que ninguém deu, cada um chorou no seu canto.
Um choro que também nenhum dos dois ouviu...
Ester sozinha.
Sozinha cresceu.
Foi quando um moço calado calou-se ao seu lado.
Casaram-se.
Anos vieram; anos se foram. Anos vieram e se foram.
Num desses o pai morreu.
Ester não se lembra muito dele.
Nem com tristeza, nem com alegria.
Apenas um grande porta-retrato...sem a fotografia...!

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