18 de setembro de 2009

ORELHUDO!!!

Postado por Agnaldo Vergara
Texto escrito emmaio de 2004

- Hoje vou fazer uma prosopopéia!
- Que prato estranho! por que não deixa de ser esnobe e faz algo de mais simples... um bolo de fubá, por exemplo?!
- Menina, não e culinária, dessa que vai à mesa! é culinária da linguagem, uma figura de pensamento, onde o fubá é substituído pela vontade; o fermento, pela paixão; os ovos, pela vitalidade; o sal, pela moderação; e todos os demais, como extrato de baunilha e de amêndoas... pelas emoções!
- Fiquei na mesma, piorando sempre. Explique!
- Explico:
Prosopopéia, eu acho uma palavra bonita, quase quanto “convolatício”, “defenestração” e “arquidiocese”...
A minha “prosopopéia” foi criada na Grécia (prosopopoiia)... você sabe, a Grécia dos jogos olímpicos, a Grécia dos grandes filósofos...
- Não enrola!
- Não enrolo. Então, essa palavra que acho linda, faz a magia de você entrar num ser inanimado ou irracional, fazer de conta que é ele e lhe emprestar a sua vivacidade, seu ânimo, esperanças e frustrações.
- Coitado dele!
- É bonito! Hoje serei um “Orelhão”. Começa assim:
Estou aqui, numa esquina, em pé e muito só! minha auto-estima abaixo de zero! Sou é mesmo um “Orelhudo” e culpo-me de não pertencer a nenhum sindicato verdadeiro, desses que lutam pela justiça, pela proteção, que proclamem os imensos serviços que sou capaz de prestar e, muitas vezes, não posso! Estou aqui parado, com inveja de todos a caminhar nas praças! Minha vida sedentária faz mal ao coração.
Sofro.
Sofro no calor ardente do verão... suo, esturricado e ninguém me empresta uma sombrinha! O suor escorre e, logo depois, um ventozinho sem qualquer histórico aristocrático, além de colocar-me à mercê de uma tuberculose, cobre-me de poeira! Sinto-me sujo e frustrado! Ninguém me espana.
No inverno, eu gelo. Ninguém me agasalha! Mas há fatos lindos na minha função: chega uma delicada jovem e coloca um cartão justinho no lugar que eu reservo para... colocar cartões:
- Mamãe, papai! Alô!! De muito longe, passo-lhes esta notícia maravilhosa: estou grávida! Vou se mãe do primeiro netinho de vocês!!... Alô!... alô!... estão me ouvindo?
- Muito pouco! Há um barulhão aí...
- É que estou num Orelhão. Bem sujo, por sinal!
É assim. Ninguém me dá valor! E mais! Olhe, vem vindo aquele briguento cão corintiano, o viralata Zorro, tão cantado em verso e prosa por uma tola escritora. Ele cheira e cheira meu pé. Faz xixi nele. Dá uma volta e torna o tal de cheira-cheira; faz cocô no meu pé!
Quem cheira e cheira agora... sou eu, o Orelhudo!
Orelhudo, porque não me localizo dentro de uma loja, de um limpo sacolão, e... felicidade suprema... por que não dizer, num moderno shopping perfumado com todas as cores e sabores dos convidativos centros de alimentação...! meus irmão, felizes, andam, ou melhor, estacionam por esses locais!
Justo agora, estou aqui, encolhendo-me todo – socorro!! – chega um quarteto de vândalos – socorro!! – arrancam o fio que fala e que ouve... martelam meu tecnológico peito... derrubam a carcaça de tartaruga amarela que me abriga... e, ao som de irresponsáveis gargalhadas de irresponsáveis... reduzem-me a um surdo-mudo! Já não presto, já não sirvo e você, que é certinho, vai pagar a conta toda do conserto!!
Mudem-me para um shopping ou eduquem para respeito a mim, que sofro.
Justo eu, que pretendia transmitir essa mensagem:
- Mamãe, papai! Ele nasceu, e de parto normal! Estou muito longe, mas este magnífico Orelhão leva todo mundo perto de todo mundo! Papai, o meu bebê tem a carinha mais linda do mundo, igualzinha ao... ao... seu joelho!!

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