24 de setembro de 2009

A tosse

Postado por Agnaldo Vergara
Texto escrito em dezembro de 2003

Ligou-me uma cara amiga, de Campinas.
– ALÔÕ!!!
– Kaaâãnkã...croft...hiiiinckkk...canrâãã..rããn..rã..rã...!
– Mas que tosse! Você está tuberculosa?
– Kaaâãnkã...croft...hiiiinckkk... canrâãã..rããn..rã..rã...!
– Lógico que está... isso é uma vergonha, diria o Boris Casoy! Já faz muito tempo em que era de refinada elegância, alguns antigos autores românticos morrerem de tuberculose!! Não é, absolutamente, o seu caso!!
– Kaaâãnkã...croft...hiiiinckkk...canrâãã...rããn..rã..rã...!
– N-não?!Kaaâãnkã...croft...hiiiinckkk...canrâãã..rããn..rã..rã...! Q-q-u-a-a-annnta ge-ne-ro-si-dade!
– Não! você já tem mais que o dobro da idade deles...
– Kaaâãnkã...croft...hiiiinckkk...canrâãã...rããn..rã..rã...! Q-q-u-a-a-annnta mal-ma-dade!!!
– E mais: você nem é uma romântica escritora!!
– Kaaâãnkã...croft...hiiiinckkk...canrâãã...rããn...rã...rã...! e... comé que so-o-o-ou?
– Uma autêntica gozadora, é o que você é!! Bolas!
(Já que, em não podendo mais falar, resolvi dar uma liçãozinha a essa atrevida e ilustrada amiga).
E enviei, só a ela e a nós todos, o este pequeno texto:

A Tosse

A tosse é aquele incômodo buco-pulmonar que, às vezes, faz dormir quando deveria estar acordada , porque já fez você ficar acordada, quando deveria estar dormindo, nas santas horas de trevas... período em que todos (ou quase), experimentam a pré-estréia da santa morte! É por esse motivo que durmo só o estritamente necessário! Alguém teria pressa em ir logo para a longa e eterna noite de estréia?...
Vai ser besta assim nos quintos dos infernos e... o diabo que o carregue!!
Assim, devo lhe contar. Há dois seres a quem eu amo muito: o cão e a criança. Ambos vivem apenas o presente... nada mais que o presente!... via de regra, tudo lhes indica um tecer de felicidade. Aquele abana a cauda, a um simples afagar de mão rude; esta, a criança, não tendo cauda, apresenta-se como a fiel manobradora de um tear manual, onde, fio por fio, coloridos todos, retribui carinhosa, em inédita edição criativa e aperfeiçoada, aos estímulos de um lar atencioso que não a deseduque...!
Veja bem, que este pedaço é importante. Para ser tecelã da própria felicidade...o que quê me resta, hein, hein? Voltar a ser criança é um grande (e muito próximo!) perigo na minha idade...!
Só me resta o cão!!... mas falta-me a cauda... que a perdi pelas esquinas da vida... de tanto apanhar nela...! mas, há uma esperança, pô! “O cão”! O cão tem um pedaço do corpo que se mantêm frio. Frios devemos ser aos desencontros e desencantos da vida. A vida, que é um grande circo, com palhaços e exímios equilibristas... ora, deixemos o picadeiro! Passemos para a arquibancada! Sejamos apreciadores e não protagonistas! Nada, absolutamente nada, deve interferir em nosso caprichoso tecer, dia-a-dia, a nossa presente felicidade. O futuro? Será um grande sono, para todos!!
E foi assim, que resolvi ter meu focinho, ou melhor, meu nariz... sempre gelado, como o do cão: tudo o que se cheira, deve ser de um ponto de vista frio!!
Durmo num sofá cama, bem sob uma janela. Verão ou inverno, ela permanece aberta. Só meu grande focinho de fora, que é para gelar!
Numa dessas pré-estréias, choveu... esfriou muito e gelou-me um pouco mais que o focinho. Veio uma tosse. Acho que minha obrigação em tossir já está no fim. Fiz a tarefa de casa muito direitinho. E o fato não irá se repetir.
Tenho certeza que você estará pensando: acho que ela desistiu e fechou a janela!...
NÃÃÃO!! Só encomendei uma camisola mais grossinha
Naturalmente, o “design” é sempre o meu, especialista – e estilista que sou – em... espantar fantasmas e coisas adjacentes. Um lindo e amplo camisolão, lógico, roxo, com enormes bolas brancas...
A partir daquela gozação de minha cara amiga, é ele que agasalha esta carcaça, com o dobro da idade dos famosos escritores.
Só que... o focinho... este continuará de fora, à procura de gelar-se... como o daquele cão... que só vive o presente e que, feliz... abana a cauda... à simples carícia de uma rude e sofrida mão... Kaaâãnkã...croft..hiiiinckkk...canrâãã..rããn..rã..rã...!

Um comentário:

Ivoninha disse...

Oi Daidy: Esta foi uma das suas melhores crônicas postadas neste " Blog"! Realmente devemos ser sempre os protagonistas da nossa existência, não nos contenso apenas no papel diminuto de coadjuvante do existir alheio... Ter a mente altaneira e aberta ao que é bom, aprender com as adversidades, mas esquecer os efeitos deletérios destes dissabores... Afinal ninguém está aqui só para sofrer e se amargurar, né? Um beijo, Daidy! Ivone