1 de setembro de 2009

Espantaram minha avó!

Postado por Agnaldo Vergara
Texto publicado no Livro Quatro Bruxas no Elevador, editora Scortecci, 2002

Estou coando café.
Coador de pano.
Dois copos de água fervendo... outra colher de pó. Mexendo sempre... A última colher de pó... justo o necessário para a exata concentração, nem tanto pendendo para aquela "garapa" tão tradicional em certas nossas regiões, nem tanto pendendo para a tinta negra - tipo asa de graúna - grossa, que sai, espumando, da máquina de café, que é... o café de máquina.
No meio, pois, a virtude, o equilíbrio.
Mexendo sempre, de modo a permitir o aumento da temperatura sem chegar à ebulição, espero pelo aroma incomparável!
Com pó de qualidade, esta receita sempre teve - presta a atenção nisso! - até poucos meses atrás, a magia de transportar-me até a minha doce avó materna, Mathiede Boscaro Gazzetta - Deus... a tem!
Ela era calada e miúda.
Miúda e calada, criou doze filhos... graúdos e falantes!
O aroma do café de qualidade torna-me capaz de vê-la, na dispensa da enorme casa, quando moía, numa engenhosa máquina preta, grãos marrons que ela mesma havia torrado.
Aquela máquina preta, moedora, era interessante, para mim, ela era... viva. Tinha um corpo redondo uma perna só e um braço só! Com a "perna-só" agarrava-se à mesa...
- Sua avó?!!!
- Nããão!!! A máquina agarrava-se à mesa com a "perna-só"; presta atenção! O braço era onde minha avó se agarrava. com as duas mãos, girava e girava, moendo os grãos...
Por cinquenta anos, revivi esses momentos mágicos em que eu, minha avó e a máquina preta conspirávamos, caladas... em silenciosa intimidade, e nos entendíamos, cúmplices no afeto, entre os eflúvios aromáticos e mornos!
E agora, mexendo sempre, espero pelo... incomparável aroma... e pala minha avó!
Imediatamente, quase que obedecendo ao meu chamado... o apartamento se locupleta... mas é do cheiro porcaria de palha molhada que sai desse indecente pó de café que temos!
E a minha avó, nada!!!
A culpa é do meu marido, aquele desmancha-prazeres!!!...
Por que é que ele tinha que trazer da Itália aquele pacotinho de 250 gramas de pó de café que era... maravilhoso, de aroma igual ao que minha avó torrava?!
E agora... comparando, estes outros daqui não servem mais! Acabou a lembrança! Acabou a emoção de recordar! Acabou atá a máquina preta com um corpo redondo, uma SÓ perna e braço só!...
E aonde é que a minha avó vai se agarrar agora?
Marido biltre!!!
- Din-dom!!! Din-dom!!! - Diz, insistente, a campainha.
Mal humorada ao máximo, ensaio um meio sorriso e abro a porta.
É... o cara de pau do meu marido! Ainda tem coragem...!
Recolho meu meio sorriso e exponho uma carranca inteira:
- Seu desmancha-prazeres!!! Intrometido!!! Verme insensível!!!... Marido biltre... o seu café, aquele seu café... espantou a minha querida avó!

2 comentários:

Ivoninha disse...

Oi Daidy: Estas crônicas de lembranças de infância são tão gostosas de ler que se assemelham ao aroma de um bom café! Bjs Daidy

Daidy Peterlevitz disse...

Sabe que você me deu uma boa idéia?
Aí você perguntaria: vai escrever mais sobre os fatos gostosos do passado?!
Bem...hum...talvez, mas depois de tomar um bom café!
Abração, Daidy.