20 de agosto de 2009

O CAVALO METÓDICO

Postado por Agnaldo Vergara
Texto publicado na Internet em dezembro de 2003

Morava eu em São Carlos, no bairro Santa Paula.
Ali fiz grandes e preciosas amizades, como as fiz em Nova Odessa (alô Alcides Gonçalves Sobrinho... eu o nomeio meu diplomata a contar do carinho que tenho por todos aí); em Sumaré, recordo-me, com amor, do amigos Maluf: a Maíba, a Satute, o falecido irmão... guardo carinho especial à escola Dom Jayme de Barros Câmara, onde recolhi imenso patrimônio de sinceridades e inteligências. Em Americana, um preito de gratidão aos mestres: Delma Conceição Carchedi, Hélio Ítalo Serafino, Aparecida Paioli e um saudoso abraço a todos os meus colegas; alguns nomes ainda minha memória se nega a esquecer: Ademar Zério, Vera e Vécio Alves, Cleuza Duarte, Hélio e Vera Kasack, Orides Rosa Guerino, June Jones, Clóvis e Cleide Campacci, Edwirges Gobbo, Elvira Bárbara Marmille, Marilena Fraschetti, Maria Imaculada Pereira. Em Campinas, preciso mandar um grande beijo ao Nicolas, filho da amiga Ivone e de célebre pai advogado e um preito de saudade à Dalva de Oliveira.
Com todo esse amor, diga-me... de quê mais eu preciso...?! De nada!
Mas, voltemos a S.Carlos.
Eu morava só. Aí é que mora o problema. Você fica... xeretando... xeretando e... xeretando!
A vizinha ao lado, a co-personagem nesta história, também vivia só. Com dois negros cães labrador.
Passo agora para o tempo presente, não como se já tivesse acontecido, mas como se estivesse acontecendo.
Eu não gosto dessa vizinha. Ela também não gosta de mim. Só moramos uma ao lado da outra. Mulher é uma espécie curiosa e, ao mesmo tempo, estranha. Não gosta, não interessa mas como vive – sorrateiramente! - “Espiando”...
Essa minha vizinha queria parecer “chique”, refinada... dando uma de granfina! Pernóstica! Eu nunca a vi – imagine! – Com bobis nos cabelos. Desaforada, é isso que ela é. Não gosto de falar mal de ninguém, mas tenho cá pra mim que essa vizinha, das 5h30 às 6 da manhã, ela passa em frente ao espelho... a maquiar-se. Com aquela idade! Ridículo... de batom, sombra e blush... já bem cedo... Nesta específica manhã, quando se passa a história, eu só espiei pela minha janela, quando ouvi o ranger do portão vizinho. E lá ia a “madame”, toda emproada, maquiada e... de vestido longo... você pensa que talvez ela fosse viajar, não é? Errou. A pernóstica só ia, como todos os dias, buscar pãezinhos e leite, ali, na padaria do Cal... a 6 metros de distância! Ao voltar da padaria do Cal, nota ela algumas folhas caídas na calçada. Logo depois, eis a bruxa com a sua vassoura e... tchecckk... tcheck... tcheckk, concedeu a pernóstica algumas elegantes e refinadas vassouradas.
Aí algo de novo ocorre: PO-CO-TÓ... PO-CO-TÓ... PO-CO-TÓ!... eis que um gordo cavalo baio anda bem no meio da rua, vindo da Miguel Petroni... Longa corda suja escorria pelo chão atrás dele, e, sem pensar muito, a nossa pernóstica maquiada, de longo, toma da ponta da corda a passar por ela.
Pára o cavalo, que olha atrás, sem entender nada.
Nesse instante, eu saí, quietinha... afinal, a vizinha poderia... estar em perigo e, meio escondida, acompanho tudo... A dita cuja puxa a corda e leva de volta o cavalo para a rua Miguel Petroni, onde havia, ainda, duas mãos de direção: uma , em que carros e caminhões sobem , outra em que carros e caminhões descem.
– Naquele tempo não havia motos ainda, havia?
– Cala a boca, Bud! É uma forma de falar... bem, e não é que a granfina, de longo, faz sinal, ... pára o trânsito e puxa o gordo cavalo para a mão de direção que desce?! Onde ela pensa que vai...?
– E onde maquiada – e de longo, e o gordo cavalo vão?
– Bem, uma vez na mão que desce, ela foi puxando o cavalo, que obedece, pelo menos nos primeiros quinze metros. Daí ele passa a insinuar-se para o meio da rua, de forma que, olhando de trás, onde sorrateiramente eu estava, a cena é cômica: o cavalo no meio do asfalto, numa ponta da corda suja; na outra ponta da corda suja, a madame maquiada, de longo. Entre eles – cavalo e madame – os carros ralentam..freiam e param tudo! Hora de pico!... e o trânsito impedido na pista que desce! Caramba!
– E depois, e depois?
– Depois aconteceu o inesperado: a madame maquiada – de longo – puxa com força a corda suja, tentando trazer de volta à mão de direção, o cavalo gordo e baio... O cujo aceita o desafio e agora é ele quem arrasta a dama, na outra ponta da corda suja.
O pessoal motorizado, entre irritado e divertido, brinca irônico:
– Levando o bichinho de estimação a passear, tia?
– Eu não estou levando nenhum bichinho...
– Então é o seu bichinho que a leva!...
– Ele NÃO é meu...
– Não vai dizer que a senhora roubou o cavalo!...
– Ora, seu...!!!
Nessas alturas, o trânsito libera-se para quem desce.
A situação aqui de trás já é outra: o cavalo baio está na calçada, numa ponta da corda suja; a dama, maquiada – de longo – no meio exato da rua. Entre os dois, a corda suja.
Trânsito impedido para quem sobe. Entre insistentes buzinadas e gracejos, a cuja madame é arrastada para a calçada.
O cavalo – metódico – faz a trajetória toda, para ir... coçar-se nas ripas de madeira suporte de cartazes, no grande espaço vazio em frente ao Arco Íris.
Mão de trânsito que sobe... liberada!
– E depois?
– Depois de saciar a... coçação, o baio desce pelo asfalto, na contra-mão, arrastando a dama maquiada – de longo – até um grande e verde capinzal, onde passa a saborear a grama fresca – e orgânica !
Nestas alturas, chega uma emissora de televisão, querendo saber tudo sobre o pitoresco fato.
– Como não? Digo eu. Olha, a pessoa que sabe de tudo é aquela desgrenhada, recém amanhecida, relaxada, cabeça cheia de bobis, roupão desbotado, chinelos de dedo... que vem, sorrateiramente, alí atrás... SÓ ELA pode ser a dona do baio. Quem mais sairia desse jeito à rua, não é... se não tivesse fugido o seu gordo cavalo baio??!!

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