19 de agosto de 2009

O Fantasma I e II

Postado por Agnaldo Vergara
Texto publicado na Internet em dezembro de 2003


O FANTASMA I

Era um cemitério meio tétrico aquele.
Velhos muros, velho portão de negra madeira já desbotada. Altos ciprestes... o mar atrás... uma pequenina cidade do litoral paulista, em que se alimentavam velhas histórias e estranhas.
Nas noites de tempestade, com raios, relâmpagos, trovões, aquilo tudo era amedrontador. Às vezes aqui era iluminada uma velha sepultura carcomida... às vezes era a cruz que parecia ter olhos grandes, boca desdentada, a fazer caretas desafiadoras... ao relâmpago! Entre sombras lúgubres, a luz imprecisa e estranhos sons do mar que, estarrecedor espumava, figuras movimentavam-se, sorrateiras, por, entre os túmulos de pessoas há muito partidas deste mundo!
Tendo como paisagem esta velha cidadezinha, os habitantes que se conheciam todos, o cemitério perto do mar... fatos passavam de geração a geração.
Histórias sussurradas em noites em que o vento curvava fortemente, em silvos e lamentos, os ciprestes do cemitério...! Uma delas, que me impressionou muito, foi esta de que até hoje se fala:
Numa noite muito quente, de verão, um casal já de idade revira-se na cama. O calor os incomoda. Está úmido demais. O ar falta. Lá pelo meio da madrugada, resolvem sair, andar um pouco... pela praia.
De mãos dadas, como era costume deles, devagar, em silêncio quase, caminham... uns quinhentos metros...
De repente, ela pára, estarrecida, boca aberta sem sair som... olhos esbugalhados! Aponta com mão trêmula, um local onde o mar efetua uma grande curva, avançando pela praia. Paralisados pelo medo, nem saem do lugar, olhando um imenso vulto branco de três metros que parece sair das águas naquela curva! E caminha em direção a eles...! Havia começado a ventar... a imensa figura de branco foi chegando... foi chegando, como a flutuar, a cabeça encapuzada e as vestes longas, até o chão sacudidas de forma fúnebre pelo vento!!
Era... fantasmagórico! Tremendo demais, o pobre casal viu o sobrenatural ser perto... bem perto e o silvo dos ciprestes parecia agora vir daquela criatura sobrenatural. Passa por eles, parece até que inclina a cabeça, num cumprimento e segue... a caminho do cemitério. Ali, seguida pelo estarrecido olhar de ambos, simplesmente... o vulto de branco entra pelo portão do cemitério! Portão fechado!...
O fato correu veloz de boca em boca e ninguém mais ousou sair, mesmo em noites de grande calor, a passear! Ao começar o vento, de longe, algumas cortinas eram puxadas e conta-se que foi o vulto branco visto, por várias vezes, a surgir lá longe, naquela curva, onde o mar avança mais na praia...
Fiquei desafiada a compreender aquilo e resolvi desvendar o mistério do enorme vulto branco, roupas a esvoaçar.

O FANTASMA II

Há que se recordar que a sobrenatural criatura, que motivou a publicação do FANTASMA I, aparecia, com roupas brancas esvoaçantes, vinda de uma curva do mar, ao longe... assustando a todos naquela cidadezinha antiga, com estranhas histórias sussurradas em noites de ventania. Ela “entrava” pelo portão fechado do cemitério tétrico, rodeado por altos ciprestes que, dobrando-se ao sabor dos ventos fortes, emprestavam sua lamentosa voz a essa aparição... fantasmagórica, a vir de longe, rosto encapuzado, seus três metros cobertos de branco, de cima a baixo!
Foi quando o caso mereceu minha atenção e resolvi fazer pequenas... investigações. Acabei travando conhecimento com muito do pessoal do lugar e encontrei exemplares de gente boa, simples, inteligente, não muito inteligente... a maioria muito religiosa.
O relacionamento com Deus era mais para Moisés que para Cristo.
Fé nos santos? Admirável. Todos eram devotos de algum beatificado.
O estranho é que, ao se tocar no assunto da aparição do enorme e inexplicável FANTASMA... cada um logo se benzia, preferindo calar-se, como se aquele fato representasse um “castigo” à pacata, antiga e pequena cidade do litoral.
Já um tanto apreensiva, absorvendo os sentimentos cristalizados ali e por eles influenciada, quase com... medo de... sentir medo estava.
Ora, vamos lá, seja o que Deus quiser.
Deus?
Noite quente. Já pelo meio da madrugada. Visto-me de preto, para mimetização... carrego uma escada... até o cemitério.
Reconheço-me um tanto trêmula. Encosto-a no muro. Galgo o muro. Recolho a escada e descemos, as duas, dentro daquele amedrontador local, cheio de sombras...
Começa a ventar; coloco-me em posição de, escondida, espiar a curva da praia aonde surgia o paranormal.
Espero e espero... de repente, algo branco lá longe!
Roupas brancas esvoaçantes, cabeça encapuzada... a coisa vem vindo, devagar, na direção do cemitério!
Meu coração vai aumentando de ritmo, à medida que a figura – imensa! – Branca da cabeça aos pés se aproxima...
Desço da escada e coloco-me abaixada atrás de um túmulo, de onde podia ver só a parte de cima do lúgubre portão...
Eis que o FANTASMA chega... e passa o portão! Santo Deus, pensei eu, atropelada, se essa coisa entrar agora numa cova, amanhã quem entra noutra serei eu! Só com o olhar, sigo a enormidade, que pára em frente a um túmulo...
A roupa branca cai, escorrega para o chão, da cabeça aos pés e... desaparece a coisa, some! Não vejo mais nada. Estou com o coração na boca!... mas continuo olhando... ouço barulho de madeiras que se tocam... será de um... caixão?! A roupa branca forma um rolo, sobe do chão e começa a andar...! Passa por mim uma altíssima figura – de preto – trouxa branca debaixo do braço... ANDANDO sobre aquelas imensas pernas de madeira, com degrau no meio, para subir ou descer!!! Com essas enormes pernas de madeira pula o portão...
Aí tenho uma idéia brilhante: tomo da minha escada, corro bons metros por dentro, encosto a escada. Passo para o lado da praia... a figura, agora de tamanho normal, carrega as madeiras no ombro, trouxa na ponta...
– Boa noite! Falo eu, com voz grave e enrouquecida.
Surpresa, a moça responde:
– Boa noite! Interessante, a sua é a primeira pessoa que encontro... não tem medo, não, de andar... pelo cemitério na madrugada?!
– Quando eu era viva Ô, se tinha!!
Com tamanha disparada, logo o mar ensopou o enorme lençol branco.
Agora... as pernas de madeira... fiquei comigo!

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