17 de agosto de 2009

Zé Manquinho e o Velho Bode

Postado por Agnaldo Vergara
Texto publicado na Internet em janeiro de 2004


Era uma dessas gloriosas manhãs de domingo, um dos últimos.
Apressada, levanto-me e, sem tempo para dançar o costumeiro forró, mas sem dispensar o prazer de minha alma em ouvir algumas músicas sacras, capricho na vestimenta, no penteado, na colônia... “acho que vou usar uma daquelas sapatilhas pintadas à mão pela amiga Daisi...”.
Tudo ultimado... um último olhar em frente ao espelho... finjo que está bom, embora saiba que... de vestido indiano ou de camisolão roxo com grandes bolas brancas... dá tudo na porcaria de sempre!!
Bolsa a tiracolo, saio e... maravilha! Justinho agora, meu vizinho Ariovaldo vai ao centro, para o costumeiro cafezinho na Dona Júlia.
– Me dá uma carona até a cidade?
– Lógico e... onde vai a madame, logo cedo e toda feliz?!
– Trabalhar!!
Um tanto desconfiado resolve ele, sempre cavalheiro, levar a “dama” até o destino final: um grande salão, uma grande cozinha, à rua Vivaldo Janzoni, quase ao lado do Obreiros do Bem I.
Ali, minha amiga, a culinarista Angélica apresenta-me a ajudante-em-chefe Joana.
E nós três, em ritmo frenético, aprontamos um bom lanche que irá acariciar os estômagos de 50 estudantes de um ramo do curso de Fisioterapia, na Universidade Federal.
Entre o aprontar o suco de maracujá, o café, os bolos de fubá, brigadeiros e beijinhos... delicioso aroma invade tudo! Eram formas e mais formas de incríveis pãezinhos de queijo... hum... HUUUUUMMMM!!
Já babando e rindo fácil em meio a esse delicioso rebuliço todo... eis que a Joana se revela possuidora de alto pique misto à alegria de viver e de trabalhar:
– Sabe, Daidy, eu cresci em fazendas... amo animais e plantas! Sabe, quando eu tinha 12 anos, um parente arrumou-me emprego na fazenda do Zé, apelidado de Zé Manquinho, porque... ele mancava; muito mesmo. Olhe, uma obrigação minha era de levar, pela manhã e à tarde, ração aos porcos; hoje eles atendem pelo nome de suínos. Veja você – que desaforento! – não é que, niquique eu enchia o balde, colocava na cabeça, aparecia, vindo não sei de onde... um imenso bode velho, escuro, com manchas marrons. Danado de esperto, olhando-me desafiador, como o possante touro olha o magrinho toureiro... ele – desgraçado!! – tomava impulso... catapan... catapan... catapan... catapan... vinha correndo e, com grande alarido, punha-se nas patas trazeiras e as dianteiras – catapimba!! – derrubavam nós dois: o balde e eu!! Cheia de medo, corria, desarvorada, enquanto ele devorava, vencedor, toda a ração do balde!
Isso aconteceu uma, duas, três, quatro, cinco vezes...até que cheguei no Zé Manquinho:
– Ô... seu Zé! Assim não vai dar não! Eu apanho do grande bode velho duas vezes por dia; ele engorda; o porco definha...!
– Olhe, Joana, faça um bom reio! De couro bem grosso e forte!! E dê boas lições ao velho bode malandro!
E dito e feito! Uma longa e dura tira de couro grosso, cabo de madeira. Juro que até treinei um pouco a pontaria. Hoje aquele desgraçado me paga!!
Com vagar e cuidado, de olhos bem abertos, pisando leve, enchi o balde. Sondei aqui, ali, acolá, olhei, com o rabo do olho à esquerda... à direita... à procura de saber aonde é que se escondia o bode malandro... até que percebi um vulto escuro, agachado, na penumbra, numa esquina do paiol. É agora!! Dei a volta, sempre pé ante pé, para chegar na esquina vizinha e vapt-vupt, mandei, com todas as minhas forças, a maior reiada que um bode velho já levou!!!
!!!...??? Só que... não era o bode!!!! Era meu patrão Zé Manquinho a consertar alguma coisa junto ao chão...!!
O vergão, acho que ele tem... até hoje! Eu, demitida; o bode velho... o vencedor.
Leitor... estou gostando muito desse “trabalho”. Um abraço à Joana, à Angélica... ao Zé Manquinho, naturalmente. E... ao bode velho malandro, medalha de vencedor!!!

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